segunda-feira, 1 de março de 2010

Conexão Yakusa


Rio de Janeiro, 20 de Junho de 2008.
Sexta - feira, por volta de 20:00 Hrs.
"Estou mesmo nervoso, ando nervoso ultimamente. Tinha três pendências a serem resolvidas. Dois meses era o prazo. Uma delas foi parcialmente solucionada. Uma verdadeira lambança, preciso consertá-la." Ouvia a tudo atentamente, e o mais importante, sem parecer atenta. Ela era muito esperta e tinha certeza de que caso ele percebesse seu interesse em tudo o que dizia, ele mudaria de assunto e ela nunca mais ouviria a respeito daquilo que soava como uma confissão. Então continuou deitada em seu ombro e sentindo suas mãos entre seus longos cabelos (carinhos da parte dele eram raros ultimamente.) Ele prosseguiu. " Troco de aparelhos celulares uma vez a cada mês. Mudo o número e a operadora também, pois passado um mês aquela linha deixa de ser segura. É por isso que você não tem meu número, nem terá. Não quero envolvê-la em nada." Ela permanecia aparentemente alheia a todas aquelas revelações, e por mais absurdas que soassem, faziam bastante sentido se encaixadas a outros fatos ocorridos nos últimos meses. E ele continuava a falar, como se estivesse em um divã. "Nunca vi a pessoa para quem trabalho, para não criar vínculos. Mas apesar de estressante, tem aspectos positivos, como por exemplo, contatos. Faz-se muitos contatos importantes, muito úteis. Esse final de semana eu tenho que limpar a bagunça que eu fiz. E só faltarão duas. Meu pai e minha irmã não sabem do meu trabalho. Por isso parei de dar aula, por isso sumo às vezes e por isso não posso estar com você todos os finais de semana. A primeira coisa que aprendi quando comecei foi leitura labial. ( Nesse exato momento pensei: 'você é realmente muito bom nisso.' me recordando da primeira vez em que disse que o amava, entre-dentes, logo que ele saiu do ônibus, e ele imediatamente me ligou para que eu repetisse o que havia dito através da janela) Depois aprendi a não deixar rastros. Sabe como se faz para sumir com as impressões digitais? É só esfregar as mãos em pó de cimento ou massa para emboço." Enquanto dizia isso mostrava-me suas mãos, sem impressões digitais. Aquilo tudo começava a fazer sentido agora. Algo dentro dela a dizia que cada vírgula era verdade, ela tinha certeza de que ele estava sendo sincero, totalmente sincero. Sentia-se tão íntima dele naquele momento como sentiu-se poucas vezes. Então ele finalmente notou que havia ido longe demais, havia falado demais a respeito de um assunto o qual nem deveria ter tocado. Virou para ela e disse:" Você deve estar confusa, não deve estar entendendo absolutamente nada. Esquece tudo o que eu te falei agora, não vale à pena . . ." E com um gesto terno, talvez o mais terno que já teve com ela, puxou-a para perto de si, a envolveu em seus braços e começou a acariciá-la a face e seus cabelos, com alguma esperança de aquilo, de alguma forma talvez apagasse sua memória. Ele a conhecia. Eles se conheciam incrivelmente bem, como que por instinto, sabiam quando um estava sendo sincero com o outro. Talvez por serem muito parecidos, talvez por terem uma ligação muito maior do que poderiam ambos imaginar.
No começo, logo que se conheceram, desenvolveram uma relação quase que imediata, como animais da mesma espécie, que mesmo sem nunca terem se visto reconhecem-se pelo cheiro. Sentiam a necessidade de se tocarem, de sentirem a pele um do outro. Respondiam aos mesmos estímulos. Ambos eram inteligentes e possuíam aptidões semelhantes.
Na faculdade, tinham muitos amigos em comum. Inclusive seus melhores amigos eram os mesmos. Riam juntos, seus sensos de humor eram muito parecidos. E gostos musicais também. Ele era quase tão carnívoro quanto ela, exceto o gosto dela por carne crua, que ele não compartilhava. Eram amantes da velocidade também. E do cheiro da gasolina. E de lutas. E de tudo enfim. Tudo o que um gostava o outro gostava também. Logo todas essas afinidades ficaram muito claras, evidentes demais para disfarçar. E assim como as afinidades seus desejos.
Ela era noiva, pretendia casar-se dentro de um, dois anos no máximo. Ele namorava há cinco anos, sua primeira namorada. Ambos não podiam mais ignorar tudo aquilo que sentiam. Não podiam mais ignorar as trocas de olhares, o arrepio na pele quando se encostavam. Não podiam mais ignorar que pensavam um no outro a todo momento. Ele não podia mais ignorar o fato de que durante as aulas ficava a admirar as expressões dela. Séria quando resolvia alguma questão matemática, sorridente quando assistia a aula de seu professor preferido. Ela não podia ignorar o fato de que aqueles eram os olhos verdes mais lindos que ela já havia visto. E que sua boca possuía simetria perfeita. E que seu jeito, apesar de brincalhão, não deixava esconder que ele era um homem de verdade.
Quase um mês depois, começaram discretamente a trocar emails. Os inocentes emails passaram a inocentes mensagens de celular quando o feriado finalmente os separou. As inocentes mensagens deixaram de ser assim tão inocentes. Passaram a ser confissões da imensa saudade que sentiam um pelo outro. Uma semana após desistirem de disfarçar, terminaram seus compromissos e começaram um novo.
Foram deliciosos dias, meses . . . Eles eram realmente muito parecidos. Ele dizia que se sentia como um adolescente ao seu lado, como se fosse seu primeiro beijo. Ela sentia-se especial como nunca, sentia-se mulher, sentia-se amada. Em uma ocasião, na volta da faculdade, ela esperou ele descer do ônibus, e quando ele olhou para ela através da janela, ela não resistiu e sibilou um tímido 'eu te amo', com a certeza de que ele não a entenderia, pois ela não queria de forma alguma o pressionar, afinal, tudo ia tão bem! Mas ele entendeu. Tão bem que ligou pra ela imediatamente para que ela repetisse tal frase para ele, e então para sua redenção ele disse "quis te dizer o mesmo semana passada, e não disse porque não queria te pressionar, não queria te forçar a nada." "Somos realmente muito parecidos" ela disse.
Aquela noite ela dormiu com um sorriso nos lábios. Duas coisas que não aconteciam há muito tempo. Sorrisos e noites dormidas.
Três meses após seu primeiro beijo, deram um tempo. Ele usou argumentos plausíveis, ela aceitou-os prontamente. Saíram de relacionamentos muito longos, e apesar do que sentiam um pelo outro, aquele não era um namoro dos sonhos de ninguém, afinal de contas, mal se viam. E eles concordavam em um ponto (ok, eles concordavam em vários pontos a repeito de vários assuntos), precisavam amadurecer a amizade que havia entre eles. E assim foi feito, cada um para um canto. Não se viam, não se falavam. Não se falam ainda. Ainda não se viram. Mas ambos têm certeza de que têm muito a conversar. Não sei quanto a ele, mas ela tem certeza de que o saldo será positivo. O amor que ela sente é puro demais, ela diria até fraternal, portanto não se importa com o futuro do relacionamento deles, só tem uma coisa em mente: continuar a fazê-lo feliz, independente de como.

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