segunda-feira, 1 de março de 2010

Clepsidra


Perco a voz, as palavras, o tato... Perco a objetividade, a racionalidade, a razão. Perco a certeza, o eixo, os sentidos. Perco o limite, o pudor, vergonha. Perco o ar, o fôlego...
“Boemia, aqui me tens de regresso, e suplicante te peço a minha nova inscrição...”
“Quando o trovão canoro encontra-se confuso, à folha seca só resta ser pisada.” Essa brilhante frase de uma amiga poetisa (ou de uma poetisa amiga, não sei se ela é mais amiga ou poetisa, porém exerce os dois cargos com maestria.) descreve com precisão o momento em que me encontro. Ou melhor, o descreve com a pseudo precisão de uma clepsidra*, pois ainda não sei se na atual conjectura dos fatos estou mais para trovão canoro ou para folha seca. Encontro-me entre os deliciosos e efêmeros prazeres que somente a boemia consegue me proporcionar e o sonho romântico de viver um grande e eterno amor (que dura tanto quanto a efemeridade da vida permitir) com um homem que aparenta ser o meu reflexo no espelho: idêntico e ao mesmo tempo o oposto.
Sempre quis viver um amor, mas nunca estive disposta a abdicar da minha vida boêmia para isso. Por isso o fracasso de meu mais intenso relacionamento, e da dúvida que me aflige a respeito de tê-lo ou não amado. Mas agora a coisa muda de figura. Estou apavorada com o fato de simplesmente passar pela minha cabeça a possibilidade de cogitar a hipótese de trocar minha vida de predadora para passar à caça por livre e espontânea vontade. Penso que pode ser somente mais um devaneio de uma raposa em busca novas memórias, mas quando me lembro daquele olhos verdes (sempre eles!), daqueles lábios macios, daquela língua precisa, aquelas mãos, aquele cheiro...huuuummmmm... Deliro, simplesmente deliro. O que me assusta é que eu sinto tanto por ele, e apesar de muito desse tanto ser tesão, grande parte desse tanto (a maior parte) é ternura, carinho, paixão e outros nomes que não atrevo a pronunciar . E agora? Folha seca ou trovão canoro?
*Clepsidra: Relógio de água. Desenvolvido por Galileu Galilei a partir da observação da propriedade exclusiva da água, de em sua forma líquida levar sempre o mesmo tempo para “vazar”. Era muito mais útil que os contemporâneos relógios solares, já que permitiam a marcação do tempo à noite também.

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