terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Dia Em Que Amei O Poeta - Parte III

Acordara ofegante. Desorientada. Ainda onírica, estendeu a mão em direção ao parapeito da janela. A posição conferia. Como imaginou, seus cigarros estavam ali como era de costume deixá-los toda noite. Acendeu um, aproveitou a claridade causada pelo fogo do isqueiro para checar mais uma vez o ambiente, afinal, poderia estar em qualquer outro lugar onde a cama ficasse abaixo da janela e seu parapeito fosse facilmente alcançado por seu braço esquerdo. Uma prateleira a sua frente, livros por todos os lados. Seus desenhos e escritos por todo o lugar. Fotos espalhadas pelo chão, em meio a roupas e outros cheiros. A janela aberta como de costume. Noite fresca. No segundo que se seguiu foi tomada por uma onda de imagens que formavam um mosaico. Um bar. Cenário noir, damas, dálias e cavalheiros que cortejavam ambos os tipos, além da própria loucura. Um pirata cruzava o salão em sua direção no mesmo instante em que ela avistou dois amigos. Preferiu não chamá-los, teve medo de desfazer aquele belo quadro e afugentar o pirata. Lindo. Cadência de malandro no andar. Espáduas largas, emolduradas por blazer bem cortado sobre camisa branca de gola V. Suas belas clavículas a mostra. Bigodes de cantor de rádio. Trazia no pescoço guias de seus Guias. Nos pulsos e dedos mais amuletos. Pimenta. Temporal. Ventania. Caos. Ela tragou, pra tentar organizar as ideias. Enquanto repassava mentalmente as imagens, olhou de forma distraída a sua volta. A realidade caiu sobre ela com um baque surdo. O Poeta, o Pirata, aquele Vulto ruivo a fitava de tão perto que podia sentir seu hálito de mel e limão a dar-lhe água na boca. Ele, de forma muito natural pegou o cigarro de suas mãos, deu um trago e puxou-a para si, aninhando-a em seu peito. Suas sensações responderam àquilo como se já conhecesse o relevo daquele outro corpo. O encaixe era hermético. De forma quase automática, ela beijou o canto de sua boca e roçou seu rosto naquela barba áspera. O Poeta riu-se gostosamente. Ela então, percebendo a provocação, mordiscou-lhe o lóbulo da orelha, pescoço e peito. A mão do Poeta, que pousava em seus cabelos, desceu devagar e cuidadosa por suas costas, cintura, quadris, barriga; e subiu novamente em direção aos seus seios, de forma gentil. Ela tomou seu cigarro de volta, agora já quente, assim como a atmosfera do quarto. O Poeta abriu então o laço que seus braços formavam a sua volta e deitou-a na cama, forçando todo seu peso contra aquele frágil corpo. Ela arfou, mas não foi de dor ou cansaço. Foi por tudo o que aquele corpo sobre o dela a proporcionava. Ele beijou seus seios de forma tesa e carinhosa, enquanto de simultâneo subia por seu colo e pescoço. O atrito daquela barba cerrada contra sua pela macia fazia eriçar todos os pelos de seu corpo. Ele chegou ao seu ouvido, e sussurrou “_Ela entrou como um pássaro no museu de memórias/ E no mosaico em preto e branco pôs-se a brincar de dança.” Ela fez menção de continuar, era seu poema favorito. Ele percebendo, cobriu-lhe a boca com um beijo apaixonado e continuou, com seus lábios roçando de leve nos dela: “_Não soube se era um anjo, seus braços magros/ Eram muito brancos para serem asas, mas voava./ Tinha cabelos inesquecíveis, assim como um nicho barroco/ Onde repousasse uma face de santa de talha inacabada.” Ela ofegou, sentindo todo o peso de uma vida vivida longe daquele Poeta. Sentiu a saudade de todos os anos sem aquele corpo a condenar-lhe a sanidade. Questionou a razão antes daquela outra alma. Houve razão? Houve algum dia antes daquele? Ele, como se em reposta a todas aquelas dúvidas, beijou –a mais uma vez, porém agora de forma urgente. “_Seus olhos pesavam-lhe, mas não era modéstia/ Era medo de ser amada; vinha de preto/ A boca como uma marca do beijo na face pálida.” Ela então calou a voz com dois dedos sobre os lábios do Poeta, e terminou: “_Reclinado; nem tive tempo de a achar bela, já a amava.” Ele então falou em seu ouvido:



_És uma pimenta...

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