quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Libélula Rubra ou O Dia Em Que Amei o Poeta

O dia era branco, e como todo dia branco, sem grandes pretensões. Ameaçava chover sobre as flores rosa-chá do seu vestido. A ventania emaranhava seus cabelos e levantava folhas e revoltava o mar. Depois de ter percorrido aqueles lugares aonde frequentemente ia à busca de amores, poesias, novidades ou ela mesma e não encontrar nada parecido com nenhuma dessas coisas, decidiu voltar a pé, e talvez ir andando até... Talvez até Paquetá. Talvez até Passárgada. Qualquer um daqueles destinos era longe demais da praia de Icaraí, ode ela se encontrava (ou se perdia), e então tinha pouca pressa. A chuva começou a chicotear seu rosto, colo e pernas, então a pouca pressa tornou-se nenhuma. Decidiu apoiar-se sobre a grade de contorno do calçadão, sentindo a chuva, o mar e o vento, tudo aquilo ao mesmo tempo. Respirou bem fundo, até seus pulmões doerem, tentando trazer aquela tempestade para dentro de si, e quem sabe assim limpar sua alma. Lembrou-se de um antigo poema chinês que sua amiga ruiva recitou-lhe um dia. Ele fez cócegas em seu cérebro, e ela riu-se da sensação e dos pensamentos que se seguiram. Percebeu então, entre risadas solitárias, que era observada de longe. Um belo homem se aproximava dela, também entre risadas. Pele clara, claríssima. Cabelos ruivos e bem cortados, bigodes de cantor de rádio. Trazia no pescoço guias de seus Guias, escapulários do santo padroeiro, correntinha que a vó deu de presente aos 7 anos e um crucifixo que ganhou de um franciscano com quem cruzou há longos anos. Nos pulsos e dedos mais amuletos. Tinha a elegância de um malandro que caminha seguro de tudo por arcos e bares. E desfilava toda aquela elegância em sua direção em um terno preto com camisa branca de gola V, que deixava a mostra suas belas clavículas salpicadas por pelos ruivos. E mais uma vez o poema ressoou. “Libélula Rubra/ Se tirar-lhe as asas/ És uma pimenta”. Ele chegou mais perto. “Não sei, moça, se és um anjo... Seus braços são por demais brancos para serem asas... Mas estou certo de que a vi voar”, disse ele já perto o suficiente para que ela sentisse seu hálito morno a acariciar-lhe a face. “Então já me amas? Nossa, quão ansiosa eu estava! Demorou tanto tempo... tempo demais. O suficiente para eu errar”, ela prontamente respondeu-lhe, apesar de embevecida com sua beleza de pirata. Ele sorriu confuso, inclinando a cabeça enquanto ela se explicava mentalmente: claro que lhe aguardava! Se você já me ama, era você que eu tanto esperava! Enquanto pensava em como explicar que tudo aquilo que acontecia era culpa da tempestade que ela havia inspirado, tocoui seu rosto instintivamente. Ele fechou os olhos. Sorriu um sorriso mais largo. Pousou sua mão sobre a dela. Abriu os olhos e perguntou por que o havia tocado. Respondeu trazendo sua mão para o seu colo, e fechou os olhos sorrindo ao sentir tal toque. “tão macia...” ele disse ao sorrir mais. Ela então disse-lhe : “Gosto de gente, gosto de pessoas. Gosto de senti-las. Mas gosto de você, poeta, por motivo diferente.”

_ Que motivo então seria esse?
_ Eu te amo. Esse é o motivo. Ele sorriu mais uma vez, agora também com os olhos. _ Não vai perguntar como é possível amar algo que jamais vira? Algo que mal sabia que existia?

_ Não. Simplesmente porque já não suportaria a realidade se não fosse amado por você.

Beijou o canto de seus lábios, e depois seus olhos, ao que ele retribuiu com alguma violência até, tamanha era sua ânsia por sua boca e todo o resto.

_ Libélula Rubra, que ainda é libélula, me devolveu as asas...

_ És uma pimenta...

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